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terça-feira, 20 de maio de 2014

Mudança deve levar ao surgimento de climas inéditos, aponta estudo

agricultura_clima_2014 (Foto: Shutterstock)


 Embora o degelo e a redução das calotas polares sejam a face mais conhecida da mudança climática, o aquecimento global terá consequências muito graves também em outras regiões, especialmente nos trópicos, onde as variações de temperatura e a umidade darão lugar a climas inéditos até agora. 

Prever ou antecipar como as espécies vão reagir a essas mudanças do clima é uma incógnita para a ciência e um desafio para a conservação da biodiversidade, mas quanto mais entendermos as implicações da mudança climática, melhores serão as estratégias de conservação. 

Essa é a principal conclusão de um estudo liderado pelo pesquisador do Museu Nacional de Ciências Naturais da Espanha para o Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) e professor de Biogeografia Integrativa do Imperial College de Londres, Miguel Araújo, e que foi publicado no último número da revista "Science". 
 
O estudo, no qual também colaboraram as universidades de Copenhague, Évora e Helsinque, toma como base 15 modelos climáticos (projeções de como será o clima no futuro) elaborados pelo IPCC, o grupo de analistas criado pela ONU para investigar a mudança climática. 

Partindo das variáveis desses modelos (temperatura, vento, precipitação média anual, etc), os pesquisadores geraram métricas e medições de mudança climática e as relacionaram com seus impactos na biodiversidade, o que não havia sido feito até agora. 

"Por exemplo: se o Saara se deslocasse 300 quilômetros para o Norte, a biodiversidade adaptada ao deserto teria que se mover uma distância equivalente; se houvesse um degelo de 50% na calota polar, isso geraria uma redução de 50% do habitat de muitas espécies, etc", explicou Araújo à Agência Efe.

Comparações como essas permitiram evidenciar que, em função do lugar do planeta em que se encontram, as espécies experimentarão as mudanças de uma forma ou de outra.

Em algumas regiões, a mudança climática poderá gerar a aparição de climas diferentes e mais extremos do que os que há agora, ou inclusive poderá fazer com que surjam climas inéditos até agora. 

"Os trópicos são onde há maior probabilidade de aparecerem climas que atualmente não têm nenhum análogo, o que não significa que não tenham existido em um passado remoto", assegura o investigador. 

Qualquer uma dessas mudanças gerará uma série de alterações para a biodiversidade que são, atualmente, impossíveis de prever, mas que obrigam a tomar medidas e a se antecipar de alguma maneira, pelo menos para diminuir estas mudanças.

Por isso, embora seja "necessário" continuar com as medidas tradicionais de redução da mudança climática baseadas na redução da emissão de gases do efeito estufa à atmosfera, apenas isso "não vai resolver o problema", sustenta o pesquisador. 

De fato, a força da mudança climática é tamanha que "mesmo que parássemos as emissões de CO2 hoje, algumas consequências já não poderiam ser evitadas", reconhece Miguel. 

Por isso, conclui o estudo, embora as medidas globais de combate continuem sendo essenciais, é primordial tentar reduzir os impactos climáticos na biodiversidade de maneira local e "fazer coisas diferentes em cada lugar".  

Fonte: Por Agência EFE / Revista Globo Rural / 02 de Maio de 2014.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Os caminhos para nossas florestas

 A principal vocação da Amazônia é o manejo florestal e a industrialização de produtos florestais

A história brasileira, desde o início do uso do pau-brasil no século 16 até os dias de hoje, tem se caracterizado pelo uso predatório de nossas florestas. A sociedade se acostumou a ver passivamente, na imprensa e ao vivo, uma infinidade de casos de desmatamento, queimadas, extração predatória de madeira e de palmito etc. Felizmente essa história vive hoje uma fase distinta. 

Diante de uma proposta retrógrada e míope de alteração do Código Florestal, aprovada por uma Comissão Mista do Congresso, houve uma mobilização nacional sem precedentes. Nunca o futuro de nossas florestas foi tão debatido na imprensa, no Congresso, em instâncias de governo, universidades, fóruns na Internet, reuniões e eventos públicos. O país ganhou a oportunidade para fazer uma verdadeira reflexão sobre parte importante dos 500 anos de história. O lado mais evidente do debate é sobre a área de florestas a ser desmatada. De um lado, a proposta dos ruralistas defendia o direito de desmatar 50% das florestas da Amazônia. De outro, a proposta do Conama defende a manutenção de pelo menos 80% dessas florestas. A solução desse duelo de números não está na aritmética, mas sim nos conceitos e valores subjacentes a esse debate. 

O desafio é aproveitar o momento para nos posicionarmos sobre o futuro das florestas brasileiras. Precisamos desmatar para gerar desenvolvimento? As florestas representam o atraso do país ou oportunidades para o seu desenvolvimento sustentável? A conservação das florestas brasileiras interessa aos países industrializados ou ao próprio Brasil?

A obtenção de madeira e outros produtos de florestas nativas tem sido feita de forma predatória. O Sul e o Sudeste brasileiros, que já foram exportadores de madeira, hoje importam cerca de 10 milhões de metros cúbicos de madeira da Amazônia por ano. A expansão da pecuária extensiva -principal uso das terras desmatadas- fixa poucos trabalhadores no campo e contribui para o inchaço das cidades e o crescimento da pobreza urbana. O desmatamento produz enormes prejuízos para a geração de energia hidrelétrica e abastecimento de água para cidades e agricultura, pelo aumento da erosão. Além disso, empobrece a biodiversidade e contribui para mudanças do clima. 

No contexto internacional, o Brasil ocupa uma posição estratégica: possui a maior reserva de florestas tropicais, é o maior consumidor de madeiras tropicais e, futuramente (2010), será o maior exportador de madeiras tropicais do mundo. O setor florestal gera cerca de 1,5 milhão de empregos diretos.

O potencial do setor para a geração de empregos é muito maior. O custo de um emprego florestal é cerca de 700 vezes menor do que outro na indústria automobilística. A contribuição do setor florestal para a balança de pagamentos do Brasil tem sido positiva desde 1980, mesmo no período de 1995 a 1998, quando o saldo da balança comercial brasileira passou a ser negativo. 

Apesar disso, as florestas, tratadas simplesmente como "a mata", são vistas pelos formuladores de políticas públicas como um recurso a ser garimpado e, ainda, como um estorvo, a ser removido para a expansão da agropecuária. 

A principal vocação da Amazônia é o manejo florestal e a industrialização de produtos florestais -não a agropecuária e a indústria eletrônica. Hoje, a produção de madeira representa cerca de US$ 2,5 bilhões/ano, equivalendo a mais de 15% do PIB de diversos Estados. 

O problema é que essa produção vem sendo feita em bases não-sustentáveis. Além disso, predominam condições de trabalho irregulares. Isso tem gerado problemas de acesso aos mercados externos, cada dia mais exigentes em termos de qualidade socioambiental.

Se bem manejadas, cerca de 10% das florestas da Amazônia poderiam atender, de forma sustentável, a demanda interna de madeira. Se outros 10% fossem bem manejados e vendidos ao mercado externo com selo verde, poderiam gerar cerca de dezenas de milhares de empregos e mais pelo menos US$ 5 bilhões em produtos de madeira. 

Além disso, o manejo florestal pode gerar produtos não-madeireiros (castanha, borracha, fármacos etc.) e serviços ambientais. Por outro lado, o manejo florestal -e não a agropecuária- representa o caminho mais promissor para a construção da cidadania para as populações que vivem na floresta: índios, seringueiros, caiçaras, quilombolas etc.

As florestas devem ser tratadas como espaço privilegiado para o desenvolvimento sustentável. A proteção e o uso sustentável de nossas florestas é, em primeiro lugar, interesse do próprio Brasil, e não dos países industrializados. É hora de aproveitarmos o momento e fazermos uma inflexão na nossa história florestal. O debate sobre o Código Florestal é um importante começo de uma nova e longa caminhada. 

Virgílio M. Viana, 39, engenheiro florestal e doutor pela Universidade Harvard (EUA), é professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, e presidente da Sociedade Brasileira de Etnoecologia.

Recepção dos Calouros